março 29, 2015

Causos de assombração


"Lhe digo Zica, exésti história tão verdadera, mar tão verdadera que até parece qui foi inventada.
Sabe que ocê tem razão homi... Certa vez, tava eu com meu segundo marido, Antenor, pai dos meu oito fiinho do meio, lá pros lado da Vila Euclides, era um dia moiado, como era di costumi por aqui, naquele tempo a garoa era constante e a serração descia cedo. Quando deu final da tarde e já íamo recoiê as coisa pra imbora vimo um pequeno funeral em direção ao cemitério. Duas muié na frente e quatro homi carregando o caixão. Fiquemo oiando pra modi vê se era alguém conhecido, mas não reconhecemo ninguém. Peguemo nossas coisa e fumo pra casa. Lá chegano fui logo preguntando pra minha mãe, que nessa época já era viúva de meu pai e morava com a gente, quem tinha morrido, ela falou que ninguém, e se ela falou era verdade verdadera, pois ela sempre escutava o radim di pia que noticiava os falecimento das pessoa que moravam na vila. Mas como não?! Tinha visto um funeral! Minha mãe dissera que divia sê alguém que morreu sem um enterro e aí a alma vorta e fica vagando, só sussega quando tem um enterro descenti.
Credo em cruz, Zica! Pois te digo, Zuza, é verdade mesm. Naqueles tempo São Bernardo era tomada por assombração a noite. Crem Deus Pai, Zica! Num gosto de fantasma não. Lhe digo Zuza, não foi uma nem duas veiz que a noite recebemo visita de espríto vagabundo, foi pra mais de monti. Eu já tava casada com meu tercero marido, Antoninor, vinte ano mais novo que eu, pai dos meus seis úrtimo fio... Ocê hem Zica, casô com os três fii de Dona Cotinha, ocê num era fácir não, hem fia? Quantos fii ocê teve no final dos três casório? vinte e seis. Tenho curpa de tê muita energia? Hihihi. Agora ocê, né homi... Num casô nem deixô uns rebento por aí. Muié eu sei que ocê teve de monti, me lembro bem da Zeferina... Num me fale daquela uma, Zica. A Zuza não careci de ficá cabisbaixo prucausa dos chifre que ela te botô... Oh Zica, continue contano o causo de assombração que é mió. Bão, na casa de madera, que moremo lá na estrada dos Alvarenga, quase toda noite aparecia uma visita indesejada. Premero a gente escutava assim: “posso jogá?” E a gente respondia: “pode.” É lá vinha um pé. “Posso jogá?” “Pode.” E lá vinha o outro pé. “Posso jogá?” “Pode.” E lá vinha a perna esquerda. “Posso jogá?” “Pode.” E lá vinha a perna direita. E assim ia a noite toda, até que o corpo tava montado e a alma penada saia andando porta à fora. Credo em cruz Zica, nunca tinha escuitado história como essa. É verdade mesm, Zuza. No dia seguinte a gente acendia vela praquela alma no pé do cruzero da igreja. Pra modi ela não vortá mais. E não vortava. Naquela época por aqui, muitas pessoa murria de morte murrida nesses campo à fora. Eu mesma já achei muito cadáver quando labrava os mato. Tinha muito bicho grande por essas banda, homi, já lhe disse isso. As pessoa saia pra í ali e num vortava mais. As veiz o corpo era achado, otras não.
Que histórias Zica! É Zuza, são história a muito esquecidas... Dium tempo que não exésti mais."

Esses dois causos quem nos contou foi Dona Maria Zanatta, 86 anos. Nasceu em São Bernardo e daqui nunca saiu, atualmente mora próximo ao hospital Anchieta, região central da cidade. Foi essa bela senhora, descendente de italianos, que mantém um sotaque carregado, mistura do português com o italiano, que nos contou como era a vida nos “rebalde” da Villa, os bichos que aqui habitavam e a história do seu Martim, benzedor famoso que morava no bairro Assunção, que com sua reza poderosa salvava as pessoas de picada de cobra. Contou-nos também histórias de assombração, a do funeral fantasma e dos espíritos que jogavam partes do corpo.

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