dezembro 02, 2014

Ser tão Ser



Dona Palmirinha,  um par de olhos muito ativo e alegre, uma boca sempre em sorrisos,  orelhas penduradas em brincos, mãos firmes e um corpinho encurvado que guarda ainda a altivez dos 91 anos bem vividos. Assim que chegamos em sua simples casa, no Ruge Ramos, ela já nos esperava toda arrumada, blusa de renda branca em baixo de um vestidinho (acima do joelho) de oncinha, um broche camafeu e chapéu combinando com o vestido.  Logo que começamos a prosear ela nos foi contando do tempo em que viveu no circo, depois de ter tido 8 ou 14 filhos no primeiro casamento e ficado viúva ela vai embora com a trupe, que seu filho mais velho, Pedro, montou. Era  circo teatro com  acrobacia, malabarismo, mágica,  palhaçaria e teatro. Os dramas, como se referia às sketes, eram escritos por ela, assim como toda a confecção do figurino da trupe. Modelava,costurava e bordava com lantejoulas, rendas e fitas. Comecei a entender seu traje de recepção, que logo descobri ser recorrente no dia a dia, sem direito a repetição. Seu segundo marido,  com quem teve mais de 10 filhos, era 20 anos mais novo que ela. Ela com 37, ele com 17. Conheceram-se no circo, ela na linha de frente, ele na retaguarda. Permaneceram juntos até ele vir a falecer de diabetes aos 53 anos.

Perguntei a sua filha, Linda, quanto filhos Dona Palmirinha havia tido de fato, mas nem a filha soube me precisar, 24, 26, talvez 12 ou 16. A verdade é que não se sabe, muitos ficaram pelos caminhos tortuosos da vida mambembe. Uma nuvem mítica envolve Dona Palmirinha, esse incontido saber nos permite criar uma vida de aventuras, travessuras e boas artes, quase um Pedro Malasartes versão feminina. Vemos Palmira ainda jovem, com 40 e poucos anos, subindo no coqueiro para pegar coquinho; andando na corda bomba com sapatilha preta, vestido de lantejoulas verdes de babados coloridos e sombrinha amarelo brilhante; viajamos com ela nessa vida de aventuras, que é viver de circo. 

O que chama atenção nessa senhora encurvada de 91 anos é o verdadeiro espírito jovem, sedento em aprender. Depois dos 60 formou-se em artes plásticas, letras, fez pós graduação e vários outros cursos ligados a artes. Depois dos 70 aprendeu a dirigir tirou carteira de motorista e com seu fusquinha caiu no buraco que havia em sua casa, seus filhos, então, proibiram-na de dirigir, muito irritada nos conta isso, pois gostaria de ter continuado a pilotar seu fuscão velho. Depois dos 80 volta para o banco escolar, faz a faculdade da terceira idade e ganha por três anos consecutivos o título de mis terceira idade de São Bernardo. Participa anualmente da tradicional festa junina na Metodista (ou será UNIBAN?) e a cada ano desfila um traje novo, para 2015 está planejando ir de bolinhas coloridas e muito brilho.

Sem dúvida, o que ficará para mim guardado deste delicioso encontro não será seu olhar vivo nem  tão pouco sua sede em aprender, mas a coragem de ser quem somos. Dona Palmirinha é o que ela é, por isso se faz autêntica, viva e presente, sem medo de ser feliz nos ensina a receita para a longevidade: 
Ser tão Ser.